sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sobre árvores


(originalmente publicado no jornal
Estado em Notícias de 6/agosto)



Sobre árvores




Toda vez que vou ao Jequitibá, em Boca do Mato, volto pra casa diferente, como se uma parte de mim morresse e outra surgisse em seu lugar. Tomo o ônibus na rodoviária, encontro meu lugar, observo as casas e pessoas que passam na janela, o vento nos cabelos, a vida que passa. Sigo na carona até o seu ponto final. Desembarco. Em caminhada, subo a ladeira até a entrada da floresta. Peço licença, dou os primeiros passos e o ambiente ao redor já muda. A mata fica mais densa, ouço sons que não conheço, vejo fileiras de árvores de todos os tipos: grossas, magras, altas, arbustos, cipós. Vez em quando um inseto, outra vez borboleta, um canto de pássaro no alto da copa. Passo a passo, floresta adentro, meu corpo amplifica todos os seus sentidos: os olhos mais atentos para a paisagem incomum, os ouvidos bombardeados por uma orquestra de pequenas maravilhas, o olfato confuso pela confluência de cheiros florais, a pele sensível ao mínimo toque de uma teia de aranha ou uma folha que cai. Alguns minutos à frente, abre-se o clarão encantado que revela o ilustre gigante morador da montanha... o Jequitibá. Peço licença mais uma vez, emocionado pelo privilégio de olhar de tão perto um ser vivo desta importância - certamente muito mais importante que eu, que você que lê este texto, que qualquer ambientalista ou governante - e me aproximo de sua pele encouraçada, cheias de ranhuras construídas pelos séculos e séculos de seiva e história em que ele impera na mata fechada. Humilde em minha insignicância humana, abro meus braços na intenção de abraçá-lo, mas no fim é ele quem me abraça, conforta-me, acolhe-me, me traz ensinamentos ancestrais no silêncio de sua serenidade, na imponência de sua perseverança vegetal. Por um instante mágico, árvore e humano fundem-se em comunhão, abraçam-se mutuamente inundados pelo grande mistério que é estar vivo. Por um momento infinito, nossas consciências se celebram em cumplicidade, compartilham palavras secretas, alimentam-se da mesma luz e bebem da mesma água que encharca o chão. (...) Quando volto ao ponto de ônibus para ir pra minha casa, já sou outro, já não me reconheço mais. O contato com o divino modifica minha estrutura molecular, muda minha percepção sobre o mundo, altera meu olhar. (...) Num outro dia, em outro ponto da cidade, passo próximo a um canteiro de obras e vejo três ou quatro frondosas árvores despedaçadas ao chão, seus corpos mutilados e ainda sangrando, mortas para dar passagem a uma ciclovia que avança. Olho para mim, e penso no quão insignificante sou.




Wellington Lyra é um habitante da Mata Atlântica.

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