sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Meu início no teatro - PARTE 1



Dedicado a tia Nonô, por sua insistência.


Sempre fui um garoto muito tímido. Tanto que nem ria mostrando dentes. Era algo quase excepcional. Certa vez minha mãe me colocou para fazer umas consultas na psicóloga, tamanha a estranheza que eu causava por conta desse comportamento.

Na verdade, antes disso, antes de minha timidez perpétua que marcou fortemente minha segunda infância e minha adolescência, fui um menino endiadiabrado. Não lembrava nem de longe o Jesus que me inspira e que me dá apelido hoje em dia...

Eu era o capeta.

Existem umas fotos antigas em que eu apareço suado feito criminoso fugitivo, após tocar o terror em alguma festinha do colégio ou mesmo em sala de aula.

Eu batia nos outros, mordia a mão, socava quem tentasse me beijar com batom. Corria, pulava, gritava histericamente se minha mãe parasse na rua pra conversar com outra pessoa. Chorava copiosamente quando me deixava "só", no colégio.

Eu era um pequeno bochechudo cheio de energia para extravasar.

Daí, algo que não consigo recordar aconteceu (deve ter acontecido, eu creio; tem que ter acontecido, claro!) e de um ano para o outro santifiquei-me e iniciei minha sina de bom moço.

Passei a ser o mais tímido das turmas, o mais quietinho, o mais estudioso, aquele que fazia seu próprio dever e também o do resto da turma. Um legítimo CDF. Muito inteligente e ao mesmo tempo extremamente tímido, vergonhoso de dar dó. Nunca precisei usar óculos, mas se o tivesse feito àquela altura, casaria muito bem com minha personalidade franzina e meio escondida do mundo.

O que lembro das consultas no psicólogo era ficar brincando com outros coleguinhas. Havia um armário como eses de remédios em hospitais, só que nas prateleiras tinha brinquedos, jogos, não lembro, algumas coisas até meio sem graça, mas outras interessantíssimas, coisas que nunca mais vi depois de grande, e nem sequer consigo me recordar do que se tratavam... Nunca percebi o que eram aquelas visitas ao consultório. Só lembro de chegar, ir para a salinha, pegar os apetrechos e brincar por algum tempo (não sei precisar quanto). Depois minha mãe surgia como se fosse hora de voltar pra casa, ela vinha com a doutora, despediam-se e eu voltava pra casa como se nada tivesse acontecido. Acho que eu considerava aqueles encontros um tratamento de saúde da minha mãe, e não meu!

Ainda não perguntei a minha mãe, mas provavelmente elas - ou pelo menos a psicóloga - me observavam por algum vidro negro, estudando meu comportamento junto a outros seres humanos, minha maneira de me relacionar. Um big brother particular, com apenas duas assinantes, e por um curto período. Agora, adulto, talvez eu compreenda um pouco daquele processo. Fiz um pouco da faculdade de Psicologia e peguei alguma coisa disso, psicologia comportamental, behaviorismo, essas coisas. Mas nada importa agora. Estamos falando de teatro!

Bem... Crescido neste ambiente introvertido, engulindo a seco minhas primeiras paixões amorosas no silêncio do meu olhar, à margem de toda badalação ou holofote, cheguei à adolescência como um garoto normal e quieto.

(continua)

sábado, 7 de novembro de 2009

Eu morei em Portugal, um dia


Dedicado a Antoninho, José, Francisquinho, Clarinda, Clarinha, Andreia, Mafalda, Sarinha, Cristina, Emídio, Sónia, Maria, Daniela, Thiago "Tó", sr. Erik, como é mesmo o nome das tias? Teresinha, ...Estrela (cachorro), Bruxinha e Caçula (gatas). Ah, a Marina tb!

Eu cheguei a morar em Portugal, uma vez.
Fui pra lá de avião (óóóbvio!), fazendo escala em São Paulo e Zurich (Suíça). Na Suíça inclusive vendia-se preservativos masculinos no banheiro, tipo aquelas maquininhas para comprar refrigerante, sabe?

E o papel higiênico na Suíça é a mesma coisa que no Brasil. Até enviei um pedaço para o meu amigo Bruno (Braga) para comprovar essa importante constatação.

Daí morei por três meses em uma cidadezinha chamada "Agrela", no interior da região do Porto. Se vocês tiverem curiosidade, procurem "Casa de Agrela" no Google Earth. Eu que adicionei lá! rs. Dá pra ver o tamanho da propriedade em que estive instalado, um sem fim de casas, adega, quintais, roseiral, lago, poço, estábulo... Tá tudo lá.

Lá me chamavam de "Wally". O senhor Erik (Alfred Hermann Bluemel, um simpaticíssimo austríaco com alma brasileira) dizia que eu era muito parecido com o personagem da série "Onde Está Wally?". E adorava mexer comigo pelo fato de eu viver fazendo "apontamentos" em meu caderno.

Bem, continuando...

Eu cheguei a morar em Portugal. Por três meses.

E a princípio ficaria por muitos anos depois disso, mas acabei nem casando com uma portuguesa e nem arranjando nenhum emprego, o que me fez retornar pra casa.

(Claro, para quem conhece a minha história nesse período, isso aqui é só um resumo ultrasuperficial que não revela nem uma ponta do iceberg de experiências de vida pelas quais passei na terrinha, e que muito provavelmente nem nunca relatarei em um blog como esse, mas serve pelo menos para manter viva uma parte de minha memória. Na verdade é a primeira vez que registro isso; e vocês não têm noção do quanto isso é importante para um canceriano como eu!)



Uma vez conheci a cidade do Porto. Com um mapa na mão. Creio que tenha sido umas das vivências mais intensas da minha vida. E uma das mais deslumbrantes também.


Vila Nova de Gaia, Vila Nova de Famalicão, Santo Tirso, Armesinde, Vila Nova de Cerveira, Porto, Guimarães. Não fui a mais lugares nem tirei mais fotos porque achava mesmo que ia passar longos anos por lá!... e que haveria tempo menos corrido para tudo isso.


Voltei.

No retorno, escalas em Lisboa, Zurich, São Paulo e finalmente desci no Rio, amparado pelos braços carentes de irmãos, amigos, pai e mãe.

Era um pedaço deles que retornava, cheio de sotaques lusófonos e "tus" e "vós".
Era um pedaço de mim que ficava na Europa, a um oceano de distância de cá.
Era um pedaço da minha vida que às vezes parece que nem existiu, ou melhor, nem podia existir, não tão cedo, pelo menos.

Mas existiu. E me impressiona lembrar que estive lá, tão imaturo.

E imerso em minha própria felicidade, não tive tempo de acordar de um sonho e perceber que viver é igual em qualquer lugar do mundo. O que muda, se é que muda, é o tempo que demora para acostumarmos à paisagem até que fique cinza de novo. E novamente temos que fazer um esforço para redescobri-la, recriá-la...

O que trouxe de lá? Um tapete, umas fotos, uns apontamentos, e um profundo respeito pela forma misteriosa que a vida tem de nos ensinar.




sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Me perguntaram um dia se eu era ateu


Dedicado a Jonathan Molina, que me mostrou um caminho. E a Priscilla Lobo, que me abriu o olhar pra passear à vontade.

Um dia, descendo o Ganguri pra ir para o centro (e não era nem centro de macumba!), uma professora do Carlos Brandão me abordou: "- Posso te fazer um pergunta?". Podia, claro; afinal, minha vida é um twitter aberto. "- Você é agnóstico?".

A princípio eu não havia lembrado o que era um "agnóstico" (e acredito que muitos de vcs não lembrem agora também, não é?), de modo que balbuciei qualquer coisa tentando acessar meu dicionário de bolso. Como já estudei uma pá de coisas nessas áreas religiosas, pensei se tratar de alguma coisa mais esotérica como "Gnose", "RosaCruz", sei lá, uma dessas correntes mais cult do caminho espiritual.

"- Agnóstico... Ateu..." (ela explicou)

Ahhhh...! "Ateu" certamente é uma palavra muito mais popular que "agnóstico"; e define a pessoa que não acredita em Deus, ou em qualquer conceito de divindade.

Respondi que não. Um pouco surpreso, claro.

Claro que não sou ateu!

Pareço alguém que não acredita em Deus?

Na verdade tenho acreditado em tantas formas diferentes de interpretação de Deus que deve ser isso o que motiva as pessoas a acharem que não creio em nada "de fato". Sei lá, pode parecer que meu comportamento e minhas ponderações sejam um tanto papo de antropólogo, sociólogo, essas coisas. Como se o fato de eu respeitar as diversas manifestações religiosas existentes tivesse a ver com um olhar mais "frio" e "acadêmico" sobre o "comportamento humano", sem que eu me envolvesse emocionalmente com o fato analisado.

Deu pra entender?

Não consigo entender o que ocorre com as pessoas. Essa necessidade de convencer o outro de que minha religião é mais verdadeira que a sua. E mesmo que você admita que não pensa assim, que na verdade você respeita a opinião dos "diferentes", acaba por fim encontrando umas maneiras de ressaltar as vantagens ideológicas da sua corrente religiosa: "- É, mas lá minha igreja, a gente respeita o terreiro de candomblé, só não acha certo" ou então "- O catolicismo é uma religião valorosa, mas aqui a gente nem pode pensar em cultuar imagens!"

Quando não são declarados, os preconceitos resistem, só que velados, disfarçados. Mas sempre vêem à tona através de pequenos comentários, considerações. É o tal do "Discurso" na Psicologia, o "Falar" que sempre revela muito de nós.

Pra quê convencer o outro de que o nosso é melhor?

Isso não parece refletir um modo de pensar puramente capitalista?

Disputa de vagas de emprego, disputa de cargos políticos, disputa de dinheiro... disputa de melhor religião! Nada mais lógico num sistema como e$$e!

"Você é ateu?", ela me perguntou.

Isso porque no dia anterior, durante um curso sobre a África no Centro Cultural, eu havia dito que estava ali para conhecer outras culturas além da portuguesa-cristã que a gente sempre estudava nos livros de história...

Essa eu já conheço! Fui criado dentro desta doutrina, assim como 90% da população brasileira. Preciso conhecer mais...!

É claro que quero conhecer o candomblé! É óbvio que quero conhecer o Budismo!

Eu preciso entender isso! Preciso compreender o que é a Umbanda, como ela funciona; como é a cosmogonia evangélica; como é a ética dentro do islamismo. Preciso saber isso!

É um fato: populações inteiras do globo terrestre seguem religiões que são diferentes da minha. Será que eu tenho o direito de dizer que a minha - justamente a MINHA - em um mundo de 6 bilhões de pensamentos diferentes, logo a minha é que é a certa?! Qual o tamanho do meu egoísmo e qual o tamanho da minha humildade?

Acredito em diferentes formas de manifestação de Deus simplesmente porque não posso negar uma cultura já estabelecida, cultuada por milhares de seres humanos, simplesmente porque minhas convicções pessoais me levam para outro lado! ... Simplesmente porque, por um ato do destino, vim nascer em um país colonizado por cristãos e europeus...

Mas e os povos indígenas que viveram aqui antes disso? As etnias africanas que chegaram com suas culturas e cultos? Os imigrantes japoneses, os libaneses...?

Essas visões multiétnicas estão aqui, no meu sangue e na minha carne. Sou resultado desse processo histórico-cultural. Fazem parte do meu inconsciente coletivo.

Por isso vou com tanta facilidade a igreja católica, assembléia de deus, batista, racionalismo cristão, santo daime, umbanda, xamanismo, candomblé, aula de informática, campeonato de kung fu, o que for. E acho lindo cada rito, cada sistema desses. Cada um dentro de sua lógica apresenta uma interpretação do que é a verdade. São muitas as verdades! "A casa do meu Pai tem muitas moradas". É por aí... Está na Bíblia.

Mas por que citar sempre só a Bíblia? E como fica os Upanishads? O Corão? A cabala? A Doutrina Espírita de Allan Kardec? As manifestações do Caboclo das Sete Encruzilhadas? Os ensinamentos de Buda?

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Os fundamentalistas e os preconceituosos que me desculpem, mas essa disputa comercial e excludente de religiões é coisa de quem já está submerso num capitalismo ideológico!...


Sai desse corpo que não te pertence! Te repreendo em nome de Jesus! Rrsrs... Do Jesus Genérico, pelo menos. =)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Um certo ar de mendigo no olhar

Dedicado a Cuíca, "Michael Jackson" (que mora no terreno ao lado do Cavalo Preto), e os demais moradores das praças e ruelas de Macacu.

Eu sempre tive muita afeição aos bêbados.

Não aos beberrões metidos à besta que bebem para aprontar, bebem para azarar, bebem para se esconder, mas os bêbados mesmo, os bêbados que vagam pelas ruas o dia inteiro em estado de embriaguez.

Sabe, esses caras que te encontram na rua e vêm falando umas coisas sem nexo, e que, invariavelmente, sempre que você dá um teco de atenção, apertam sua mão e ficam com a mão apertada até nunca mais soltar. Dizem que gostaram de você, que você é legal etc. e nunca soltam a mão.

Desses é que gosto.

Sei lá, acho que tenho um magnetismo pessoal que atrai as pessoas nessa situação. Acho que meu jeito meio largado, meio descabelado, cabeludo, não sei, um certo ar de mendigo que trago no olhar... (rsrs... teve até uma vez que fui receber um pagamento na secretaria de promoção social e alguém novo lá dentro tinha achado que eu fui pra pedir comida... rsrs) E sempre dou atenção. Não consigo ficar sem dar atenção quando me pedem. Me incomoda ignorar que gente assim exista.

E que na verdade poderia ser eu a estar ali. Que eu é que poderia estar passando por aquela situação de neutralidade social na qual a bebida alcoólica entra tanto como inibidora de apetite como fuga para um estado menos denso e opressivo da "realidade".

Não sei como fazer para reverter essas cenas.
Mas faço questão de ouvir quando me solicitam.
Principalmente quando estão em estado de bebedeira. Parece-me que suas palavras carregam um certo mote de espiritualidade, um certo tom profético, de quem está ali o dia inteiro abnegado de seu próprio ego, de sua própria individualidade cidadã, e parece que isso abre uma brecha para que nas oportunidades certas os insights espiritualizadores se manifestem, trazendo mensagens importantes para quem os dá ouvido.

A maioria das pessoas, mesmo ao tentar ser simpático com eles, acaba demonstrando nojo na expressão do rosto, e sua postura corporal sugerem que estão logo querendo sair de perto dali.

Eu não; acho que é uma oportunidade de ouro ouvir um pouco e talvez receber um grande ensinamento de quem vivencia a vida da maneira mais intensa possível: sendo esmagado por ela.

Não importa que o indivíduo esteja bêbado e talvez isso signifique uma ausência de valores nobres à sua personalidade. Trata-se, antes, de respeitar o ser humano como outro qualquer, talvez menos favorecido pelo sistema de produção que nos humilha mesmo, nos desgasta, corrompe e isola, em maior ou menor nível, mas o fato é que estamos no mesmo barco.

Eles, mendigos, alcoólotras, sujos, depravados.
Nós, egocêntricos, magnânimos, viciados e supérfluos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A volta das Parábolas

Eis que finalmente sento em frente à máquina (do meu Pai, digo, do meu pai), para começar a registrar meus pensamentos...
ººº

Tenho passado ultimamente pela experiência de revisitar um antigo caderno de registros, datado de muitos anos atrás, em que pude deixar para sempre (até as traças o encontrarem) impressões sobre marés emocionais, paixonites, filosofias de botequim e considerações sobre o universo em geral (!).

Isso tem me incentivado de uma maneira incrível e irresistível a escrever qualquer coisa aqui, nessa possibilidade nova de manter viva minha tradição canceriana de guardar minha alma alfabética em linhas que se estendem ao cumprimento de um olhar, ou dois...

Escrever é sempre bom; e me fez muita falta por um longo período de minha vida. Por alguns anos, fui desde a prática de me comunicar com muitos (eu disse: muitos!) amigos, amigas, paixões, por cartas, e mesmo em blogs etc., semanalmente, freneticamente... para um estágio recente onde me limitei a registrar atas de reuniões, desenvolver projetos culturais, formalizar ofícios e esse tipo de letramento seco, surdo.

É bom perceber que apesar de toda experiência existencial que eu tenha vivido - e como vivi nesses últimos anos! - apesar de por vezes ter a impressão nítida de que talvez não avançasse muito em minha existência, apesar dos anos que se trançaram fio a fio em ambientes ermos ou maravilhosos (cada esquina, um); cá estou eu a voltar para velhas práticas, companheiras mais importantes de minha pequena trajetória no mundo. Escrever é um reencontro comigo. Uma redescoberta.

E uma retomada de minha própria consciência.

O.o


Obrigado pela companhia, agradeço qualquer recado, mas que fique claro que isso é muito mais pra mim do que para vocês, ok?? =)
Terapia online...

=)