quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Um certo ar de mendigo no olhar

Dedicado a Cuíca, "Michael Jackson" (que mora no terreno ao lado do Cavalo Preto), e os demais moradores das praças e ruelas de Macacu.

Eu sempre tive muita afeição aos bêbados.

Não aos beberrões metidos à besta que bebem para aprontar, bebem para azarar, bebem para se esconder, mas os bêbados mesmo, os bêbados que vagam pelas ruas o dia inteiro em estado de embriaguez.

Sabe, esses caras que te encontram na rua e vêm falando umas coisas sem nexo, e que, invariavelmente, sempre que você dá um teco de atenção, apertam sua mão e ficam com a mão apertada até nunca mais soltar. Dizem que gostaram de você, que você é legal etc. e nunca soltam a mão.

Desses é que gosto.

Sei lá, acho que tenho um magnetismo pessoal que atrai as pessoas nessa situação. Acho que meu jeito meio largado, meio descabelado, cabeludo, não sei, um certo ar de mendigo que trago no olhar... (rsrs... teve até uma vez que fui receber um pagamento na secretaria de promoção social e alguém novo lá dentro tinha achado que eu fui pra pedir comida... rsrs) E sempre dou atenção. Não consigo ficar sem dar atenção quando me pedem. Me incomoda ignorar que gente assim exista.

E que na verdade poderia ser eu a estar ali. Que eu é que poderia estar passando por aquela situação de neutralidade social na qual a bebida alcoólica entra tanto como inibidora de apetite como fuga para um estado menos denso e opressivo da "realidade".

Não sei como fazer para reverter essas cenas.
Mas faço questão de ouvir quando me solicitam.
Principalmente quando estão em estado de bebedeira. Parece-me que suas palavras carregam um certo mote de espiritualidade, um certo tom profético, de quem está ali o dia inteiro abnegado de seu próprio ego, de sua própria individualidade cidadã, e parece que isso abre uma brecha para que nas oportunidades certas os insights espiritualizadores se manifestem, trazendo mensagens importantes para quem os dá ouvido.

A maioria das pessoas, mesmo ao tentar ser simpático com eles, acaba demonstrando nojo na expressão do rosto, e sua postura corporal sugerem que estão logo querendo sair de perto dali.

Eu não; acho que é uma oportunidade de ouro ouvir um pouco e talvez receber um grande ensinamento de quem vivencia a vida da maneira mais intensa possível: sendo esmagado por ela.

Não importa que o indivíduo esteja bêbado e talvez isso signifique uma ausência de valores nobres à sua personalidade. Trata-se, antes, de respeitar o ser humano como outro qualquer, talvez menos favorecido pelo sistema de produção que nos humilha mesmo, nos desgasta, corrompe e isola, em maior ou menor nível, mas o fato é que estamos no mesmo barco.

Eles, mendigos, alcoólotras, sujos, depravados.
Nós, egocêntricos, magnânimos, viciados e supérfluos.

4 comentários:

  1. A partir desse momento vou sentar ao lado do cascatinha (um mendingo de itaboraí) e bater altos papos com ele...hehe...

    Sério, adorei o texto, boa visão sobre um aspecto dominado pelo senso comum. Gosto de gente assim!
    Só podir ser jesus pra ter essa compaixão!!

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  2. Ainda não li nada, mas, puts, que bom poder te ler!

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  3. Eu li. / É mesmo! não te líamos antes! É interessante, keep going!

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  4. Tenho algo como isso na kbça tbm, realmente não só poderiamos como poderemos ser algum dia um deles tbm, eles podem ensinar muita coisa, alguns ja tiveram todas as oportunidades e deixaram passar, estiveram por cima e caíram, talvez por conta própria ou pelo acaso, mas vc é cara!Jesus sempre andou em meio aos leprosos e mendigos! Está explicado!

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